Morreu Zoca, o escudeiro do Rei   

Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Faleceu na quarta-feira, dia 25, em Santos, o único irmão homem de Pelé. Jair Arantes do Nascimento, o Zoca, nascido em 22 de julho de 1942, em Três Corações, estava internado devido a um câncer de próstata. Ele tentou se firmar no ataque do Santos justamente no período em que o Alvinegro Praiano era a melhor equipe do mundo. Não deu certo no campo, mas fora dele Zoca foi o irmão que todo Rei precisa ter.
Com quase o mesmo físico de Pelé, apenas dois centímetros a menos, e também boa técnica e agilidade, Zoca foi uma das tentativas do técnico Lula no início dos anos 60. O treinador, que acreditava nos jovens, não poderia deixar de testar um atacante que tinha relação genética tão próxima do melhor jogador do mundo.
Na infância, viveram o futebol o tempo todo. Jogaram botão, disputaram peladas de rua com os pés descalços e assistiram ao pai e ídolo, Dondinho, marcando gols e criando jogadas de rara habilidade por equipes do Sul de Minas Gerais e do Interior de São Paulo. Depois do sucesso do irmão, Zoca veio de Bauru esperançoso de que também daria certo na Vila Belmiro.
Depois de atuar no time de aspirantes do Santos, el passou a ter algumas oportunidades no time de cima. Poucas, é verdade, pois o ataque titular já era formado pelo verso dodecassílado Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, e ainda havia reservas como Tite, Pagão, Sormani, Bé… Teria de entrar e, como se dizia na época, abafar. Mas no futebol, sabemos, a sorte também conta.
Em 10 de abril de 1961 Zoca entrou no lugar de Coutinho na partida em que o Santos goleava o América do Rio de Janeiro por 6 a 1, na Vila Belmiro, pelo Torneio Rio-São Paulo. Como é sua característica, a torcida santista se animou com a presença do garoto, quem sabe um segundo Pelé.

No último lance do jogo surgiu um pênalti para o Santos e todos queriam ver o irmão mais novo do Rei marcar o seu primeiro gol com a sagrada camisa santista. Mas Zoca, talvez nervoso, não conseguiu converter.  O árbitro Armando Marques apitou o final do jogo logo em seguida e os torcedores foram para casa sem saber o que dizer a respeito do garoto.
Seu primeiro gol pelo Santos ocorreu três semanas depois, dia 21 de abril, em um amistoso contra uma Seleção do Distrito Federal, na Vila Planalto, em Brasília. O time venceu por 4 a 0, com gols dele, Sormani, Coutinho e Tite. Zoca substituiu Dorval em um ataque que ainda teve Mengálvio (depois Ney Blanco), Coutinho, Sormani e Pepe (depois Tite).
Mas 1961 passou e o caçula prosseguiu no time de aspirantes. Sua real oportunidade surgiria entre abril e junho de 1962, quando a Seleção Brasileira, reforçada por sete jogadores do Santos, jogava a Copa do Chile e Lula armou um time com muitos jovens para disputar a Copa São Paulo.
Em um domingo, 15 de abril, o Santos estreou na Copa São Paulo contra a Ponte Preta, na Vila Belmiro. Antes da partida um desfile de atletas comemorou o cinquentenário do clube. Pagão marcou o primeiro gol do jogo logo aos oito minutos. Ele seria substituído por Zoca, que passaria a participar de todos os jogos da equipe na competição. Mas nunca jogava o tempo todo. Ou substituía alguém, ou era substituído. Essa era a forma de Lula testar a garotada.
Contra Ponte Preta, três dias depois, em Campinas, o Santos empatou por 3 a 3 e Zoca foi substituído por Didi, outro garoto; no amistoso com a Ituveravense, em Ituverava, dia 22 de abril, fez um dos cinco gols santistas, na vitória por 5 a 2, e foi substituído por Luiz Cláudio; no jogo seguinte pela Copa São Paulo, no Parque São Jorge, o Santos perdeu para o Corinthians de Presidente Prudente por 2 a 1 e Zoca fez o único gol santista. Nessa partida também foi substituído por Luiz Cláudio.
Nos jogos seguintes, saiu para a entrada de Nenê; entrou no lugar de Dorval; substituiu Nenê no andamento de duas partidas e Pagão em quatro partidas. Quando o time iniciou a excursão à Europa, entretanto, alguns jovens viajaram e foram aproveitados, mas Zoca, não.
Ele continuou treinando no Santos mais alguns anos, à espera de boas oportunidades que nunca vieram. Em 1966, ano difícil para o irmão, que teve seguidos problemas físicos e não pôde mostrar seu talento na Copa da Inglaterra e nem mesmo no Santos, Zoca decidiu abandonar o futebol e iniciar seu trabalho de apoio ao Dico, como a família tratava Pelé. Em sua passagem pelo Alvinegro Praiano o caçula fez 15 jogos e marcou quatro gols.
Durante muitos anos, Zoca foi um fiel e discreto executivo do Grupo Pelé –de São Vicente, onde morava em um apartamento na Ilha Porchat, ou de Nova York. Em 2012 admitiu, em um e-mail, que a marca Pelé tinha sido vendida à empresa Legend 10/ Sport 10. Nunca deixou, porém, de ser o escudeiro do Rei, o irmão na acepção genética e ética da palavra.
Seu corpo será velado hoje no Cemitério Memorial Acrópole Ecumênica, em Santos. Poucas pessoas são esperadas, pois a ordem na cidade é evitar aglomerações, ainda mais entre os menos jovens. Solteiro, Zoca deixa uma filha; a mãe, dona Celeste; a irmã, Maria Lúcia Arantes do Nascimento Magalhães, e o irmão mais velho, Dico.

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