Maior jogo do mundo decidiu título brasileiro de 1962

Hoje que a Seleção Brasileira não é mais a campeã do mundo, não tem os melhores jogadores e poucos são os titulares da Seleção que atuam em clubes brasileiros, dá para imaginar que, na decisão da Taça Brasil/ Campeonato Brasileiro de 1962, disputada em um dia 2 de abril como hoje, competindo entre si e em plena forma, lá estavam os bicampeões mundiais da Copa de 1962 Garrincha, Pelé, Nilton Santos, Zito, Zagallo, Gylmar, Mauro, Amarildo, todos eles titulares da Seleção Brasileira?
E na mesma partida se exibiam também os reservas da Seleção Mengálvio, Coutinho e Pepe? E ainda estavam em campo Manga, Rildo e Lima, futuros titulares da Seleção na Copa de 1966? Sem contar Quarentinha, Dorval e Calvet, jogadores de extrema categoria, que só não se firmaram no Escrete devido ao excesso de craques na época?
Pois aqueles 70.324 espectadores que foram ao Maracanã, além dos incontáveis que assistiam pela tevê, em uma das raras transmissões interestaduais ao vivo, não presenciaram apenas um jogo de futebol, mas um momento de sonho e magia que jamais se repetiu nos nossos campos.
No primeiro jogo da decisão, o Santos tinha vencido, no Pacaembu, por 4 a 3. Depois perdera no Maracanã por 3 a 1, no domingo, diante de 102.260 torcedores – que estabeleceram o recorde de arrecadação no Brasil, com mais de 37 milhões de cruzeiros –, e naquela terça-feira à noite, apenas dois dias depois da derrota, tinha de reunir os cacos para a partida desempate.
A vitória daria ao vencedor o título brasileiro e a única vaga para representar o Brasil na Copa Libertadores de 1963 (por essas desorganizações crônicas do futebol brasileiro, essa final da Taça Brasil de 1962 só foi jogada em 2 de abril de 1963). Boa parte da imprensa dava o favoritismo para o Botafogo.
Dorval, a arma secreta
No domingo, Zagallo tinha sido decisivo para a vitória carioca. Foi pelo seu lado, e não pelo de Garrincha, que o Botafogo feriu o Santos. Para o jogo de terça o técnico Lula manteve os mesmos titulares, mas fez uma mudança sutil: ao perder a bola, Dorval teria de marcar Zagallo, tirando a liberdade do ponta-esquerda botafoguense.
Antes de entrar em campo, ainda no túnel, os santistas se abraçaram e Zito e Coutinho reforçaram o pedido para que Dorval encostasse em Zagallo, pois, segundo Coutinho, “o Zagallo está saindo, o Amarildo está caindo nas suas costas e está ficando um vazio ali”. O ponta do Santos seguiu à risca as determinações de Lula e dos companheiros.
Não dava mesmo para brincar com o ataque do Botafogo, naquela noite escalado pelo técnico Marinho Rodrigues com Garrincha, Edson, Quarentinha, Amarildo e Zagallo – ou seja, com três titulares da Seleção que oito meses antes tinha conquistado a Copa no Chile. O restante do time também era muito bom. Seu sistema defensivo tinha Manga, Rildo, Zé Maria e Ivan; Nilton Santos e Ayrton.
Para enfrentar o time campeão carioca de 1961, que seria bi em 1962, Lula escalou Gylmar, Lima, Mauro e Dalmo; Calvet e Zito (depois Tite); Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. O árbitro da partida foi Eunápio de Queiroz.
Bola rolando, o que se viu foi um espetáculo dos dois alvinegros, ressaltado até pelo branco e preto da tevê. O Santos fez cinco gols e não sofreu nenhum, em uma de suas inúmeras exibições primorosas. O primeiro tempo terminou 2 a 0, com gols de Dorval aos 24 e Pepe aos 39 minutos. Na segunda etapa, Coutinho aos nove e Pelé aos 30 e 35 minutos completaram a goleada. O público de 70.324 pagantes, em sua maioria torcedores do alvinegro carioca, aplaudiu os santistas.
Naquela noite o Santos venceu, Pelé à parte, pela aplicação tática de Dorval, que anulou Zagallo e ainda driblou Nilton Santos e fez um golaço e abrir o marcador. Anos depois, o irreverente Coutinho definiu assim a vitória incontestável, obtida apenas dois dias depois de uma derrota para o mesmo time e no mesmo estádio:
“Fomos lá e fizemos um, dois, três, quatro, cinco e poderíamos ter feito quinhentos. O Santos tinha uma coisa: dificilmente perdia duas vezes seguidas.”
Ney Bianchi, o profeta do “maior jogo do mundo”
Nascido no Rio de Janeiro, em 21 de janeiro de 1929, Ney Bianchi foi um dos jornalistas mais respeitados da imprensa brasileira. Ganhou três Prêmios Esso de Informação Esportiva – dois pela revista Fatos & Fotos, em 1964 e 1965, e um pela revista Manchete, em 1970.
Apreciador do futebol bem jogador, foi Bianchi quem escreveu a célebre matéria para a popular Fatos & Fotos de 13 de abril de 1963, denominando a final da Taça Brasil, entre Santos e Botafogo, como “O maior jôgo (sic) do mundo”.
Na abertura da matéria, agraciada com oito páginas, Bianchi não poupa elogios ao clássico incomparável:
O Maracanã ainda não tinha visto tamanha exibição de futebol-arte, até quando, terça-feira, o Santos provou ser o maior time do mundo, aniquilando, por 5 x 0, o Botafogo, com Pelé abusando da condição de gênio.
Ainda nesse texto de abertura Bianchi diz que “cada um dos gols foi uma obra-prima”, que “a torcida (caso único na América do Sul), esqueceu partidarismos para aplaudir o melhor” e que “quem costuma ferir com ‘olé’, com olé’ será ferido”, em uma direta à torcida do Botafogo, que no domingo tinha debochado dos santistas ao final da partida.
Enfim, um jogo para se pendurar, com molduras douradas, na memória eterna do futebol brasileiro. Não se esqueça: 2 de abril, dia do maior jogo do mundo.

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