Há 48 anos o nosso Messias vinha ao mundo

Por Guilherme Guarche, do Centro de Memória
O Estado do Pará, situado no Norte do Brasil, além de ser um grande produtor de açaí e castanha, também se destaca por ser a terra natal de vários jogadores que despontaram no cenário esportivo nacional, sendo que alguns deles vestiram a camisa do Alvinegro Praiano, como: Pinhegas, Sócrates, Paulo Robson, Amaral, Mané Maria, Pauto Henrique Ganso e Marcos Rogério Ricci Lopes, atual lateral-direito do Peixe, o conhecido Pará.
Mas, dentre todos, o que atingiu o ápice da fama foi o garoto que nasceu em Belém, a capital paraense, município mais populoso do Pará, com uma população de quase um milhão e meio de habitantes. Numa sexta-feira, 4 de fevereiro de 1972, nasceu Giovanni Silva de Oliveira, filho de Eládio Pinto de Oliveira e Doracy Silva de Oliveira. A família morava em Soure, na Ilha de Marajó, mas, por recomendação médica, Doracy foi dar à luz na capital do Estado.
Dos 15 aos 18 anos Giovanni morou em Abaetetuba, cidade paraense a 125 quilômetros de Belém, para onde seu pai foi transferido pelo Departamento de Estradas de Rodagem. Por esse motivo essa cidade é citada, erroneamente, como o local do nascimento do craque. Lá ele passou a jogar em pequenos clubes, como o Jaderlândia, Tok Disco e Palmeiras.
Quando deixou Abaetetuba e voltou a morar em Belém, Giovanni tinha 18 anos. Começou a treinar nas divisões de base da equipe da Tuna Luso Brasileira e nos dois anos em que defendeu o clube marcou 50 gols e ganhou a Chuteira de Ouro da Federação Paraense de Futebol.
Em 1991 participou, sem muito destaque, da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Em 1992 jogou nas equipes do Remo e do Paysandu, sendo depois emprestado ao Grêmio Sãocarlense, no Interior Paulista. O Palmeiras o convidou para fazer um teste, mas estava resfriado e foi esquecido em um hotel na capital paulista. Chateado, decidiu voltar a Belém, o que fez o alviverde desistir de contratá-lo.
Nesse momento o Santos conseguiu o seu empréstimo, depois de o presidente santista Samir Abdul Hack assisti-lo jogando pela televisão e ter gostado do seu futebol cadenciado, habilidoso, técnico e com uma rara visão de jogo.
O craque que jogava como meia e atacante era um falso lento, dono de um estilo clássico e elegante, alto (1,90m), de passes rápidos e finalização precisa. Fez sua estreia em um jogo oficial do Santos em 25 de setembro de 1994, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro, na goleada santista sobre o Clube do Remo por 4 a 1. O técnico do Alvinegro, que durante a partida o colocou no lugar de Ranielli, era Serginho Chulapa.
Antes, no dia primeiro daquele mês, Giovanni já tinha jogado e marcado um gol em um amistoso contra o Tepic, do México, na vitória do Peixe por 3 a 1. Ele entrou no time misto que excursionava na América do Norte e jogou três partidas sob o comando do técnico auxiliar Joãozinho. Em 1994 Giovanni jogou 12 partidas e marcou apenas um gol, mas já era visto como um atleta diferenciado e aos ia poucos ganhando a admiração do torcedor santista.
Seu passe foi comprado em definitivo nos últimos dias de 1994. A Tuna Luso recebeu 300 mil reais. Metade do valor veio de um empréstimo feito ao clube pelos dirigentes Vicente Di Gregório, Antônio Aguiar e pelo Rei Pelé. Não demorou para o craque justificar plenamente o dinheiro investido.
Em 12 de março de 1995, pelo Campeonato Paulista, ele marcou um dos gols mais bonitos no estádio Brinco de Ouro, em Campinas, na vitória do Santos sobre o Guarani por 3 a 1. Dos gols santistas, dois foram de Giovanni, mas  o segundo eles, aos 40 minutos do segundo tempo, foi um golaço que levantou o público. Começou no meio de campo e prosseguiu em uma arrancada rápida em direção ao gol adversário, ignorando os defensores adversários, que, atônitos, viram o craque passar rápido por eles e atirar na saída do goleiro Hiran.
Em agosto de 1995 ele já era considerado o grande craque do time santista e se tornara um ídolo tão festejado a ponto de alguns estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo criarem uma torcida em sua homenagem denominada “Testemunhas de Giovanni”.
Em jogo de muitas emoções o craque vira o “Messias”
Uma das mais lembradas partidas do Santos aconteceu em 10 de dezembro de 1995, na semifinal do Campeonato Brasileiro. Naquele domingo, o time capitaneado por Alexandre Gallo venceu o Fluminense, no Pacaembu, por 5 a 2, numa jornada cheia de lances surreais. Mesmo desfalcado dos titulares Jamelli e Vagner, mas com Giovanni jogando sua melhor partida com a camisa do Santos, o time – que havia sido derrotado no Maracanã por 4 a 1 – conseguiu a façanha de superar o Fluminense pela diferença de três gols, classificando-se para a final do Brasileiro, o que não ocorria desde 1983.
Disposto a conseguir a classificação a todo custo, o Santos partiu para cima do adversário desde o início. Depois de criar boas chances, aos 25 minutos Camanducaia foi derrubado na área e Giovanni cobrou o pênalti com maestria para abrir o marcador (uma imagem marcante é aquela em que o Messias pega a bola dentro do gol e a leva até o meio do campo para recomeçar a partida).
O camisa 10 do Peixe tomou para a si a responsabilidade do jogo. Aos 29 minutos driblou o marcador na matada no peito e, da entrada da área, chutou de bico por cima do goleiro Welerson, marcando o segundo tento do Alvinegro e repetindo o gesto de ir ao fundo da meta buscar a bola, para explosão da torcida santista no Pacaembu.
Energia das arquibancadas
O primeiro tempo terminou 2 a 0. Então, no intervalo, ocorreu algo jamais visto em jogos do Campeonato Brasileiro. Por ordem do técnico Cabralzinho, os jogadores e a comissão técnica não desceram para o vestiário. Permaneceram em campo, ouvindo as orientações do técnico e sentindo a vibração da torcida, que não parou de cantar.
No começo da etapa complementar, Giovanni, sempre ele, achou Macedo na entrada da grande área e o rápido camisa sete marcou o terceiro gol do Alvinegro da Vila Belmiro, para delírio da galera ensandecida, que vibrava sem parar nas arquibancadas do Pacaembu. O time atingia o objetivo de vencer por três gols de diferença, o que lhe daria um lugar na decisão do campeonato.
Só que dois minutos depois há uma falta na entrada da área santista e no bate-rebate Rogerinho marca de cabeça o primeiro tento do tricolor carioca. O Santos não se abate com o gol sofrido e aos 16 minutos, em nova jogada de Giovanni – que ganha na corrida do zagueiro Alê e divide com o goleiro –, a bola sobra para Camanducaia, que faz 4 a 1.
O velho Pacaembu treme. O Peixe repetia o placar que havia sofrido no Maracanã. A torcida já pensava na decisão do campeonato quando o zagueiro santista Ronaldo Marconato é expulso e a tensão recomeça. Mas Giovanni ainda estava em campo…
Aos 37 minutos, cercado por três jogadores do Fluminense, o Messias protege a bola, de costas, e com um calcanhar sublime deixa Marcelo Passos livre. Este corta para o lado direito e chuta com efeito, tirando do zagueiro, marcando o quinto gol do Peixe e, aparentemente, decidindo a classificação.
Porém, o time carioca não estava morto e aos 40 minutos Rogerinho marcou novamente, assustando os torcedores santistas, que passaram a olhar insistentemente para o relógio, pedindo para o árbitro Sidrack Marinho encerrar a partida.
Finalmente, após minutos angustiantes, o árbitro apitou o final do jogo. A vitória por 5 a 2 classificou o Santos para decidir o título com o Botafogo carioca, que havia eliminado o Cruzeiro na outra semifinal. Estava encerrada a partida que para a maioria dos torcedores alvinegros foi a mais emocionante da história do Santos. A revista Placar deu a Giovanni a Bola de Ouro do ano.
A exibição contra o Fluminense consolida o Messias como o ídolo maior da torcida santista, que o coloca no mesmo patamar de idolatria dos grandes craques do passado. Em 1996 ele é artilheiro do Campeonato Paulista, com 24 gols. É foi convocado seis vezes para a Seleção Brasileira.
Seu prestígio rompe fronteiras. O Barcelona se interessa pelo seu futebol e é para a Espanha que ele vai desfilar toda a sua categoria. Sua última partida com a camisa do Alvinegro mais famoso do mundo é um amistoso jogado em 20 de junho de 1996, que terminou com a vitória do Peixe sobre o Real Madrid por 2 a 0. Apenas 2.120 espectadores compareceram à Vila Belmiro para a despedida do Messias contra um dos times mais famosos do planeta.
A Caminho da Europa
O jovem tímido, que gaguejava ao ser entrevistado, aos 24 anos tem o seu passe vendido por 10 milhões de dólares, sendo a quinta contratação mais cara do mundo à época. Com o dinheiro da venda a diretoria santista realizou algumas obras necessárias no estádio Urbano Caldeira, trocando o sistema de iluminação do estádio, concluindo os três lances de arquibancadas na rua José de Alencar e instalando um moderno sistema de drenagem no campo, até hoje considerado um dos melhores do Brasil.
No time da Catalunha, formando na equipe ao lado dos compatriotas Ronaldo e Rivaldo, conquistou o bicampeonato da Copa do Rei e do Campeonato Espanhol e também a Super Copa da Espanha em 1996, e a Supercopa Europeia e a Recopa Europeia em 1997.
Convocado pelo técnico Zagallo para disputar a Copa do Mundo da França, em 1998, começou como titular, participando da vitória sobre a Escócia, por 2 a 1. Ainda jogando no Barcelona enfrentou o Santos no estádio Camp Nou, em partida pelo Troféu Juan Gamper que terminou empatada em 2 a 2. Marcou 41 gols em sua passagem pelo time catalão.
Em 1999 se transferiu para o Olympiacos, o time mais popular da Grécia. Lá atingiu o sucesso absoluto. Foram seis temporadas no futebol grego e cinco títulos nacionais. Esses anos vitoriosos fizeram com que fosse considerado um dos maiores jogadores da Grécia, ganhando o apelido de Mago.
A volta ao Santos
A diretoria do Peixe conseguiu repatriar o seu grande ídolo em 2005, e o craque mostrou que ainda sabia muito. Sua reestreia no Peixe aconteceu em 12 de junho, em partida do Campeonato Brasileiro contra o Fluminense, na Vila Belmiro. Deivid fez o gol santista no empate de 1 a 1 assistido por 15.296 espectadores, que aplaudiram o retorno do Messias à sua casa. Naquela partida o técnico Gallo escalou o Santos com Mauro, Flávio, Halisson, Ávalos e Wendell (Elton); Fabinho (Luciano Henrique), Bóvio, Zé Elias e Giovanni; Deivid e Fabiano Vieira (Danilo).
Sua passagem nessa volta foi marcada por uma esplêndida atuação na partida jogada em 31 de julho, na Vila Belmiro, em que atuou ao lado de outro grande ídolo santista, Robinho, que estava indo para o Real Madrid. Nesse dia Giovanni fez dois gols na vitória indiscutível de 4 a 2 sobre o Corinthians (o jogo, assim como outros dez, depois seria anulado pelo presidente do STJD, Luiz Zveiter, alegando fraude nos resultados envolvendo o árbitro Edílson Pereira de Carvalho).
Na partida remarcada, o alvinegro da capital, o mais favorecido pelas mudanças promovidas por Zveiter, venceu por 3 a 2, numa arbitragem bastante polêmica. Como sinal de protesto, após um dos discutidos gols do adversário, Giovanni chutou a bola para longe e acabou expulso.
Ainda em 2005 Giovanni trouxe de Belém o jovem Paulo Henrique para treinar nas categorias de base do Santos. O menino, apelidado Ganso, se tornaria um grande craque e, ao lado de Neymar, comandaria o Santos em quatro títulos em 2010 e 2011.
Em 2006, o “Messias” jogou apenas a primeira partida do Campeonato Paulista, um empate com o São Bento, em Sorocaba, por 1 a 1. O técnico Vanderlei Luxemburgo queria montar um time veloz e jovem, e Giovanni não se enquadrava nessa formação. Então, em uma atitude rara no futebol, o Messias abriu mão da multa a que teria direito e do salário do mês de janeiro e deixou a Vila Belmiro.
Na sequência, foi jogar novamente no exterior, agora na equipe do Al Hilal, da Arábia Saudita. Mas desta feita não teve o mesmo sucesso anterior e ficou pouco tempo por lá. Depois se transferiu para o Ethnikos Piraeus, da Grécia, onde também não reeditou as boas atuações que tivera no Olympiacos e saiu antes mesmo do término de seu contrato.
Novamente no Brasil
Já com 35 anos, o veterano craque voltou ao Brasil no início de 2007, para jogar no Sport Club do Recife, por indicação do amigo e técnico Gallo, mas acabou dispensado duas semanas depois.
O tempo foi passando e ele ficou um ano e meio sem atuar em clube nenhum, até ir jogar pelo Mogi Morim, em 2008, contratado pelo presidente do clube e seu amigo Rivaldo, companheiro do Barcelona e da Seleção Brasileira. Sua presença foi importante, pois ao menos evitou que o Mogi fosse rebaixado para a série A-2.
Ficou sem jogar uma única partida mais ou menos por nove meses, e então, no início de 2010, acertou seu retorno ao Santos, que promoveu uma grande festa para receber seu ídolo. Este, mais desinibido e curado da gagueira, cansou de dar entrevistas.
Na primeira partida desse retorno, Gigio, como também é chamado pelos simpatizantes do Peixe, jogou ao lado de Ganso e Neymar na goleada imposta ao Rio Branco de Americana, por 4 a 0, no Pacaembu, onde foi ovacionado durante vários minutos pelos eufóricos torcedores santistas. Ganso e Neymar, duas vezes cada um, marcaram os gols do jogo.
Pouco utilizado pelo técnico Dorival Júnior, Giovanni vestiria a camisa do Santos pela última vez em jogo do Campeonato Brasileiro disputado em Goiânia em um sábado, 22 de maio de 2010. Entrou no lugar de Zé Eduardo, na vitória sobre o Atlético Goianiense por 2 a 1, gols Wesley e Zé Eduardo. Nesse dia o time jogou com Felipe, Pará, Edu Dracena, Durval e Alex Sandro; Arouca, Wesley, Marquinhos e Zezinho (Rodriguinho); Zé Eduardo (Giovanni) e Marcel (Maikon Leite).
Giovani abandonou o Santos, e o futebol, entristecido por não ter uma despedida como ele e os torcedores do Santos queriam. Mas não há dúvida de que deixou seu nome na história do clube, pelo qual jogou em três períodos – 1994 a 1996, 2005 e 2006, e 2010 – fez 141 partidas e marcou 73 gols.
O mais velho a jogar pelo clube
Em 8 de outubro de 2016 Giovanni participou do jogo comemorativo dos 100 anos de fundação da Vila Belmiro e também da despedida do guerreiro Léo, um empate de 1 a 1 com o Benfica. Por atuado nesse jogo festivo, o Messias agora é considerado o jogador com mais idade a jogar pelo Santos, com 44 anos.
Atualmente, o G10 – outra das suas designações – voltou a dividir a residência entre sua terra natal, Belém, e Santos. Lá na capital do Pará, no bairro de Souza, ele é o proprietário de uma clínica de fisioterapia e do Colégio Acrópole. Em Santos, onde nos finais de semana gosta de jogar uma pelada no Clube dos Ingleses, mora com sua esposa, Ana Rosa, e os filhos Gennaro e Giulianno. Este último é uma promessa das categorias de base do Santos e neste ano será promovido ao Sub-15, para orgulho do pai coruja, que vê no filho um futuro craque e, quem sabe, um novo Messias.
Títulos de Giovanni no Santos
Torneio de Verão – 1996
Campeonato Paulista – 2006
Campeonato Paulista – 2010
Copa do Brasil – 2010

Pular para o conteúdo