A excursão visionária que revelou um Santos maior

Por Gabriel Santana, do Centro de Memória
Em 2 de fevereiro de 1947, ao vencer o Remo por 3 a 2, em Belém, o Santos encerrava a maior excursão de sua história. Antes, as viagens do Alvinegro duravam menos de um mês. Aquela, iniciada em novembro de 1946, prosseguiu por mais de dois meses e levou o time a cinco capitais das regiões Norte e Nordeste do País.
O ano de 1946 era o segundo do mandato do presidente Athié Jorge Coury. Com ideias revolucionarias e grande ambição, Athié prontamente aceitou a proposta de José Mariano Carneiro Pessoa, o popular Palmeira, ex árbitro e ex treinador de futebol e grande amigo do técnico santista, o argentino Abel Picabea. Em visita à Vila Belmiro, Palmeira se ofereceu para intermediar jogos do Santos no Norte e Nordeste do País.
Proposta aprovada, Acácio de Paulo Leite Sampaio, vice-presidente dos interesses de administração e patrimônio do clube e um dos homens de confiança de Athié, foi o escolhido para chefiar a delegação. A Federação Paulista de Futebol indicou Durval Valente para acompanhar a delegação santista e, segundo relatos, mereceu aplausos pelas ótimas arbitragens realizadas na excursão.
Com tudo programado, às 19 horas de 26 de novembro de 1946, na estação inicial da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, embarcou para São Paulo a delegação do Santos. Depois de se hospedarem nas dependências do estádio do Pacaembu, às 4 horas da manhã do dia seguinte todos partiram para o aeroporto de Congonhas.
O avião transcontinental que levava o time santista fez uma parada no Rio de Janeiro, a capital do Brasil. O goleiro titular, Leonídio, havia se casado recentemente e, ainda em lua de mel,não viajou com a equipe. Para o seu lugar o Santos solicitou o empréstimo do goleiro Osny, do América do Rio de Janeiro. O arqueiro se apresentou acompanhado de um dirigente do clube carioca e do represente do Santos no Rio de Janeiro, o tenente-coronel Bonorino. Após ser apresentado à delegação, Osny embarcou com a delegação alvinegra.
Às 17 horas e 27 minutos do dia 27, a delegação chegou a Recife, onde era aguardada por jornalistas e dirigentes dos clubes locais. Hospedada no Hotel Central, a equipe teve, praticamente, 48 horas para descansar, já que a primeira partida seria realizada na noite do dia 29, sexta-feira.
Começa em Recife a grande aventura
O primeiro adversário em Recife foi o América, uma das equipes pernambucanas mais fortes daqueles tempos, campeã estadual em 1944, vice em 1945, que seria vice também em 1947 e 1948. A partida, jogada no Estádio dos Aflitos, mostrou o Santos mais ofensivo desde o início.
Antes dos 15 minutos a equipe já vencia por 2 a 0, com dois gols de Caxambu. Na volta do intervalo, Caxambu marcou mais um, mostrando um enorme faro de gol. A partida terminou 3 a 1.
Na sequência, dois dias depois, no estádio da Ilha do Retiro, o Alvinegro enfrentou o então campeão pernambucano, o popular Santa Cruz. E foi a vez de Adolfrises brilhar. Com três gols dele, o Peixe venceu por 4 a 0. Maracaí completou o marcador.
As duas vitórias e os sete gols marcados em dois jogos fez a fama do Santos se espalhar pelo Estado. Criou-se uma grande expectativa para a ultima partida em Recife. O Sport, temeroso com as duas boas atuações do Alvinegro, foi para o amistoso reforçado de atletas de outras equipes pernambucanas e jogou fechado. Os reforços e a tática defensiva deram resultado, e a partida terminou empatada em 0 a 0.
Em Natal, goleada no ABC
O próximo destino escolhido pelo Peixe foi Natal, capital do Rio Grande do Norte. A delegação ficou hospedada no hotel Bela Vista e as duas partidas foram realizadas no estádio Juvenal Lamartine. No seu primeiro jogo em solo potiguar, em 15 de dezembro, diante do Santa Cruz de Natal, o Alvinegro venceu por 3 a 2, depois de estar liderando por 3 a 0. Adolfrises, Ruy e Caxambu marcaram os gols santistas.
Time tradicional, hoje recordista de títulos estaduais no País, com 55 premiações, o ABC enfrentou o Santos dois dias depois, mas não teve melhor sorte. Ao contrário. O Alvinegro Praiano não tomou conhecimento da fama do ABC em seu Estado e venceu a partida, facilmente, por 6 a 0. Adolfrises, três vezes; Caxambu, duas, e Zeferino fizeram os gols.
Em Fortaleza, três vitórias e um empate
Na manhã de 19 de dezembro o Santos já estava em solo cearense, sendo muito bem recepcionado pelos dirigentes locais. Foram programadas quatro partidas em Fortaleza, todas no Estádio Getúlio Vargas. O Ceará foi o primeiro adversário, no dia 22, sexta-feira, mas não impediu outra goleada santista, por 5 a 2, com três gols de Caxambu, um de Pirombá e outro de Adolfrises.
Dia 25 de dezembro, em pleno Natal, o Santos entrava em campo novamente. Naquela quarta-feira de festas foi a vez do Ferroviário confrontar o Peixe. Campeão cearense em 1945 e vice em 1946, o Ferrim saiu vencendo por 2 a 0, mas o Santos empatou com dois gols de Adolfrises.
O Alvinegro se encaminhava para sua oitava partida e ainda permanecia invicto. Isso era uma motivação a mais para os adversários. O Fortaleza, então campeão cearense, veio para o jogo decidido a derrotar o famoso Alvinegro do Sul. Mas a confiança durou pouco. Aos 15 minutos Caxambu abriu o placar. E na segunda etapa, com um gol contra de Juju, um de Zeferino e outro de Macaraí, o Alvinegro venceu por 4 a 1.
Inconformados com a derrota, a direção do Fortaleza solicitou uma revanche para o dia 1º de janeiro. A solicitação foi atendida, mas o time do Ceará mais uma vez sofreu quatro gols, e dessa vez sem assinalar nenhum. Adolfrises marcou duas vezes, e Ruy e Caxambu fecharam o marcador.
Categoria e heroísmo em São Luís
Por falta de acomodações para todos os integrantes da delegação, o transporte de Fortaleza para São Luís teve que ser feito em grupos separados. Com os santistas finalmente hospedados no Hotel Central, a primeira partida no Estado ficou marcada para 5 de janeiro de 1947, um domingo. Os outros dois jogos seriam nos dias 8 e 12, todos no Estádio Santa Isabel.
No primeiro embate, o Alvinegro enfrentou o Maranhão, vice estadual em 1945, que repetiria a colocação em 1947. Viu-se mais um bom desempenho da dupla Caxambu e Adolfrises, que fizeram um gol cada. Maracaí completou o marcador de 3 a 0 para o Santos.
Na sequência, o desafiante foi o Sampaio Correia, vice campeão maranhense em 1946. Time de grande torcida, mas, como diz o torcedor, não viu a cor da bola contra o Alvinegro Praiano, que goleou por 5 a 1, com mais dois gols de Caxambu, dois de Adolfrises e um de Leonaldo.
Tricampeão maranhense, que ganharia também os três títulos seguintes, o Moto Club vivia a melhor fase de sua história e chegou bem perto de tirar a invencibilidade santista, que já durava 11 jogos. Derrotava o Santos por 2 a 1 até aos 45 minutos do segundo tempo, quando, nos últimos segundos, como um prêmio pela persistência da equipe, veio o empate salvador: o artilheiro Caxambu foi o herói que manteve o Peixe sem derrotas.
Três vitórias contra os grandes de Belém
Belém foi a última parada da delegação santista. Na noite de 13 de janeiro já estavam todos bem instalados no hotel Rotisserie Suisse. A fama do Santos crescia enormemente. Até aquele momento tinham sido realizadas 12 partidas, em quatro capitais diferentes, com nove vitórias e três empates. O noticiário chegava a Santos e deixava a torcida eufórica. Nenhum time brasileiro tinha empreendido tal campanha.
O primeiro clube local a tentar tirar a invencibilidade do Santos foi o Tuna Luso, vice-campeão paraense de 1945. Disputado dia 18, sábado, no Estádio Antônio Baena, o jogo terminou com mais um triunfo santista, por 4 a 3. Leonaldo, Ruy, Caxambu e Zeferino marcaram os gols alvinegros.
Melhor time paraense da época, campeão em 1945 e 1947 (em 1946 o campeonato paraense não foi disputado), o Paysandu surgia como a nova ameaça à invencibilidade santista. Porém, em jogo disputado em 26 de janeiro, um domingo, no estádio Curuzu, o Santos não se preocupou com a fama do adversário e goleou por 4 a 1, com dois gols de Adolfrise, um de Caxambu e um de Zeferino.
A última partida da excursão foi marcada para 2 de fevereiro, domingo, contra o popular Clube do Remo, que seria vice-campeão paraense naquele ano. O Remo era a ultima esperança daqueles que estavam torcendo contra a façanha santista.
Realizado no Estádio Antônio Baena, o jogo foi bem equilibrado. O Santos saiu na frente, com Caxambu. O Remo empatou, mas Adolfrises fez 2 a 1 logo na sequência. Aos 32 minutos do segundo tempo surgiu novo empate, mas aos 39 minutos Ruy marcou o terceiro do Santos e o último da excursão.
Excursão mostrou o poderio santista
Ao retornar a Santos, em 7 de fevereiro, a delegação alvinegra foi recebida com um entusiasmo antes só visto na conquista do título paulista de 1935. Após mais de dois meses, ultrapassando 1946 e alcançando 1947, a maratona de jogos não poupou os dias de Natal e Ano Novo e trouxe o Santos de volta para casa invicto e consagrado.
Em 15 jogos, enfrentando os grandes times de cinco Estados brasileiros, o Alvinegro Praiano retornava com a marca impressionante de 12 vitórias, três empates e nenhuma derrota, 52 gols marcados e apenas 17 sofridos.
Caxambu e Adolfrises foram os artilheiros da excursão, com 19 e 18 gols, respectivamente. Ruy e Zeferino marcaram quatro cada um; Maracaí, 3; Leonaldo outros 2 e Pirombá marcou uma vez. Juju, do Fortaleza, fez um gol, contra.
Essa primeira grande excursão da história santista repercutiu muito nos Estados do Norte e Nordeste, e a fama da equipe se espalhou pelo Brasil todo. A imprensa concordava que o Santos estava pronto para voos maiores.
Jogos por cidade
Recife
29/11/1946 – América 1 x 3 Santos
01/12/1946 – Santa Cruz 0 x 4 Santos
08/12/1946 – Sport 0 x 0 Santos
Natal
15/12/1946 – Santa Cruz Esporte-RN 2 x 3 Santos
17/12/1946 – ABC 0 x 6 Santos
Fortaleza
22/12/1946 – Ceará 2 x 5 Santos
25/12/1946 – Ferroviário 2 x 2 Santos
29/12/1946 – Fortaleza 1 x 4 Santos
01/01/1947 – Fortaleza 0 x 4 Santos
São Luís
05/01/1947 – Maranhão 0 x 3 Santos
08/01/1947 – Sampaio Correia-MA 1 x 5 Santos
12/01/1947 – Moto Clube-MA 2 x 2 Santos
Belém
18/01/1947 – Tuna Luso 3 x 4 Santos
26/01/1947 – Paysandu 1 x 4 Santos
02/02/1947 – Remo 2 x 3 Santos
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