Paulista de 78, a explosão dos Meninos da Vila

Guilherme Guarche, do Centro de Memória
Naquela noite fria de quinta-feira, 28 de junho, nos primeiros dias do inverno de 1979, o estádio do Morumbi recebeu 80 488 espectadores que viram o jovem time do Santos se sagrar campeão paulista pela 14ª vez, mesmo derrotado por 2 a 0 na partida final pelo dono da casa, o São Paulo, campeão brasileiro do ano anterior.
Esse resultado obrigou as equipes a jogarem uma prorrogação de 30 minutos, que terminou empatada sem gols. Com o resultado, o Santos ficou com a taça devido ao critério de desempate que o privilegiava, por ter o maior número de gols no terceiro turno (21 gols).
Antes da memorável conquista, o time santista teve de jogar mais duas partidas dessa decisão contra a equipe tricolor e todas no estádio do adversário (esse clássico foi apelidado de San-São pelo jornalista Tomás Mazzoni, do jornal A Gazeta Esportiva, em 1956).
A partida que colocou o Peixe na dianteira
A primeira partida da decisão, no dia 20 de junho, quarta-feira, foi um jogo bem disputado e nervoso do começo ao fim. A vitória coube ao time santista, que jogava sem cinco titulares e saiu atrás do placar.
O irreverente Sérgio Bernardino, o Serginho Chulapa, aproveitou um cruzamento da esquerda, feito por Dario Pereyra, e de cabeça mandou a bola para o fundo das redes aos 18 minutos do primeiro tempo. O gaúcho Flávio Edmundo Martins Lima, o inseguro goleiro santista nada pôde fazer. Serginho Chulapa, que em 2003 viria para o Santos, é o maior artilheiro do São Paulo, com 242 gols marcados.
O tento de empate surgiu aos 26 minutos do primeiro, de autoria do garoto Juary Jorge dos Santos Filho, de 20 anos que recebeu um passe de José Carlos do Nascimento, o meio campista Zé Carlos, na entrada da meia-lua da grande área, e conduziu a bola com rapidez chutando na saída do goleiro Waldir Peres.
O gol incendiou a eufórica torcida alvinegra no estádio são-paulino. O calor humano emanado das arquibancadas pelo 12º jogador do Alvinegro se fez presente no reduto tricolor e o time e a torcida jogaram juntos em busca de um objetivo único, o título.
O gol da vitória do Peixe foi marcado quando eram decorridos nove minutos da segunda etapa por Edivaldo Oliveira Chaves, o Pita também de 20 anos, que recebeu a bola pela direita, deu um drible curto e seco em Tecão, deixando-o caído no gramado, e chutou de canhota a bola para o fundo das redes do time tricolor.
O golaço de Pita colocou os torcedores peixeiros de pé nas arquibancadas, gritando e incentivando o time até o apito final da partida. O Santos jogou e venceu com Flávio, Nelsinho Baptista, Joãozinho, Antônio Carlo s e Gilberto Sorriso; Toninho Vieira, Zé Carlos e Pita; Claudinho, Juary e João Paulo. O público total presente foi de 88 316 espectadores.
Célio, o herói no segundo confronto
O segundo confronto poderia dar o título ao motivado torcedor peixeiro, que lotou a casa do adversário na certeza de que naquele dia 24 de junho, domingo, o enorme troféu iria descer a serra indo para Santos. Aos 20 minutos da etapa inicial, Pita, o camisa 10 santista, foi derrubado pelo zagueiro Tecão na grande área e o árbitro Márcio Campos Sales marcou a penalidade. Cobrada pelo zagueiro Antônio Carlos, que substituía Joãozinho, machucado, ela foi defendida por Waldir Peres. Antônio Carlos faleceu em 6 de agosto de 2012 na capital paulista.
O atacante Marcelo Carlos Monteiro da Silva, conhecido como Célio, que no último dia daquele ano completaria 20 anos, foi quem marcou aos 42 minutos da etapa inicial, após receber do camisa dez, Pita, e adentrar na grande área adversária.
Mas nos derradeiros minutos da etapa final, quando a torcida praiana vibrava e comemorava a vitória, o ponta-esquerda são-paulino Zé Sérgio adiou a comemoração do Peixe, fazendo calar a grande massa de torcedores ao marcar o gol de empate aos 43 minutos, forçando a realização de mais uma partida. Nesse jogo o árbitro anulou corretamente dois gols de Serginho Chulapa, o primeiro por ter conduzido a bola com a mão e o segundo por estar em impedimento.
O time das praias, que não tinha vários titulares contundidos e sem Zé Carlos e João Paulo, suspensos pelo terceiro cartão amarelo, formou com Flávio, Nelsinho Baptista, Joãozinho, Antônio Carlos e Gilberto Sorriso; Toninho Vieira, Rubens Feijão e Pita; Claudinho, Juary e Célio. O público presente foi de exatos 115 155 espectadores.
A finalíssima e a dramática decisão
A partida decisiva aconteceu quatro dias depois. O técnico Francisco Ferreira de Aguiar, o Formiga, mais uma vez não pode escalar vários titulares importantes, como o goleiro Vitor, que foi o titular durante todo o campeonato, além de Joãozinho, Clodoaldo, Aílton Lira e João Paulo.
O time santista para a decisão ficou com Flávio, Nelsinho Baptista, Antônio Carlos, Neto (Fernando) e Gilberto Sorriso; Zé Carlos, Toninho Vieira e Pita; Nilton Batata, Juary e Claudinho.
O São Paulo marcou aos 26 minutos do primeiro tempo, por intermédio de Zé Sérgio, e aos cinco minutos da etapa complementar, por meio de Neca. A partida terminava com a vitória do time da casa por 2 a 0, forçando a necessidade de uma prorrogação de 30 minutos, com dois tempos de 15 minutos.
Foram momentos angustiantes vividos pela jovem torcida do Alvinegro, que rezava pelo término da prorrogação. Os dois times, cansados, pouco atacaram e decidiram explorar as falhas do adversário , sem se arriscar muito. O Santos jogava de acordo com o regulamento, pois sabia que o empate lhe daria o tão sonhado título.
E assim que o árbitro João Leopoldo Ayeta, o mesmo que apitara a primeira partida da decisão, determinou o fim da partida, o Morumbi explodiu num tremendo foguetório e a festou começou não só nas arquibancadas do estádio, mas em todo o território nacional.
Era o surgimento de um time que ficou conhecido como a primeira geração dos Meninos da Vila. A segunda, para a imprensa,surgiria no ano de 2002, com a conquista do Campeonato Brasileiro. Na verdade, porém, o Santos tem gerações vitoriosas de jovens talentosos desde a sua fundação, há 108 anos.
Os Meninos da Vila
Esse campeonato, jogado em três turnos, demorou quase um ano e foi um dos mais longos de todos os Paulistas, pois começou em agosto de 1978  em função da Copa do Mundo de 1978, na Argentina. Nele o Santos disputou 56 partidas, vencendo 26, empatando 16 e perdendo 14, marcando 77 e sofrendo 47 gols.
O goleiro Flávio só se tornou titular desde a vitória sobre o Guarani, por 3 a 1, na fase semifinal, pois o mineiro Vitor, que jogou praticamente o todo o campeonato, se contundiu na partida anterior ao jogo contra o Guarani e não mais retornou ao time.
O centroavante Juary Jorge foi o artilheiro máximo da competição, com 29 gols.O ponta-esquerda João Paulo foi o segundo goleador da equipe, com 16 gols. A expressão “Meninos da Vila” foi criada pelo técnico Chico Formiga. “Sou mineiro de Araxá e lá na minha terra temos o vício de chamar os garotos de meninos. Assim, quando me perguntavam do time, eu respondia que os meninos estavam bem”, explicou Formiga, falecido em 22 de maio de 2012.

Chico Formiga o verdadeiro professor dos Meninos
O técnico Formiga foi um dos grandes responsáveis pelo sucesso do jovem time que também tinha jogadores experientes em seu elenco. Ele assumiu o grupo no ano anterior da conquista e promoveu vários jogadores que ele já conhecia das categorias de base.
Além de Formiga, dois nomes não podem ser esquecidos na conquista memorável do título. O primeiro é o presidente Rubens Quintas Ovalle, que assim que assumiu a presidência do clube, em 1978, realizou uma reformulação total não só no time, mas também nas combalidas finanças do Santos. O segundo dirigente importante foi José Ely Miranda, o eterno gerente Zito, que acreditou na capacidade de comandar de Formiga e o promoveu para o time principal.
Na última vez em que vencera o disputado título regional, em 1973, o time ainda tinha em seu elenco o eterno Rei Pelé. Por ISS, essa conquista dos Meninos da Vila foi muita valorizada pela torcida do Peixe.
Toda a gente alvinegra acreditava que seria o início de uma nova fase do time, que vinha de momentos difíceis e nada abonadores. O clube era motivo de chacota dos torcedores adversários e não recebia o devido respeito por parte da imprensa esportiva, que durante anos e anos foi obrigada a aclamar os feitos santistas.
Após dessa conquista, o Santos voltaria a vencer outro Estadual somente em 1984, com uma equipe totalmente reformulada. Depois, outra longa espera por um grande título demorou 18 anos e só foi recompensada com o Brasileiro de 2002, conquistado por mais uma geração de Meninos da Vila.

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