Paulista de 2016, quando a tradição venceu a audácia

Por Odir Cunha, do Centro de Memória 
Em 2016 o Campeonato Paulista tinha se transformado em propriedade do Santos. Finalista nas sete competições anteriores, o Alvinegro Praiano chegava a mais uma final, que poderia lhe dar sete títulos em 11 anos. Seu adversário naquele 8 de maio, mais um domingo de excitação na Vila Belmiro, era o Grêmio Audax, de Osasco, um franco-atirador que vinha surpreendendo outros grandes. Aquele decisão colocava, frente a frente, o Santos e o seu casual espelho do passado.
Um dia o Alvinegro Praiano também teve de ser ousado para conquistar espaço entre os primeiros. Adotou definitivamente o futebol ofensivo e jogando assim, sem medo, ganhou dos maiores dentro ou fora de casa. Aquele Audax, dirigido por Fernando Diniz, um psicólogo amalucado que fazia questão de que até o goleiro saísse jogando, vinha cumprindo esse papel no campeonato de 2016.
Nas quartas de final goleara o São Paulo, em Osasco, por 4 a 1; na semifinal passara pelo Corinthians, no Itaquerão, por 4 a 1 nos pênaltis depois de empatar em 2 a 2 no tempo normal. Antes, na fase de classificação, dera um susto no Santos, na Vila. Só depois de terminar o primeiro tempo perdendo por 1 a 0, o Alvinegro virou no segundo, com gols improváveis de Léo Cittadini e Ronaldo Marques.
O caminho do Santos foi menos complicado. Na fase de classificação liderou seu grupo com folga. Em 15 jogos venceu nove, empatou cinco e só perdeu um, para o RB Brasil, em São José dos Campos. Nos clássicos, venceu o Corinthians e empatou com São Paulo e Palmeiras. Terminou com 32 pontos ganhos, cinco a mais do que o São Bento, adversário que superou nas quartas de final por 2 a 0, na Vila, os dois gols de Vitor Bueno.
Ainda na Vila Belmiro, um futebol mais objetivo e dois gols de Gabriel deram uma vantagem que parecia definitiva na semifinal, contra o Palmeiras, mas Rafael Marques fez dois gols consecutivos, aos 42 e 43 minutos do segundo tempo, empatando o jogo e levando a definição da vaga na final para os pênaltis.
Quando Clayton Xavier marcou e Lucas Lima perdeu, o santista teve a impressão de que estava diante de mais uma daquelas desilusões inesquecíveis. Mas a partir dali, como se o destino virasse uma chavinha mágica, o Santos marcou três vezes, Vanderlei defendeu duas cobranças, entre elas a do artilheiro Rafael Marques, e a disputa terminou com o goleiro Fernando Prass isolando a bola.
Ousadia não é tudo
Na primeira partida da decisão, em Osasco, o Santos teve boas chances e acertou duas vezes a trave no primeiro tempo, mas o Audax ficou mais tempo com a bola, criou boas oportunidades, abriu o marcador, com Mike, aos 12 minutos do segundo tempo, e só não venceu porque o tal Ronaldo Mendes, provavelmente enviado pelos céus, acertou um chute perfeito do meio da rua e empatou o jogo aos 34 minutos do segundo tempo.
O time já vinha sendo dominado e a situação piorou com a saída de Lucas Lima, machucado. No seu lugar Dorival Junior colocou o predestinado Ronaldo Mendes, um rapaz de 23 anos que tinha sido promovido para o time principal após treinar apenas duas semanas no Santos B. Pois com a maior tranquilidade do mundo o rapaz matou a bola no peito, deixou cair no gramado, tomou distância e fuzilou, marcando o gol mais importante do Santos até ali (em julho seu passe foi negociado com o Al Wasl, dos Emirados Árabes, por um milhão de reais).
Com o empate em Osasco, o santista se sentia mais confiante para comemorar o título no Urbano Caldeira, onde o time estava invicto há 27 jogos. A festa estava preparada para festejar o sétimo título estadual em 11 anos, e o estádio, lotado com 12 269 pagantes.
Pela primeira vez Dorival Junior podia ser campeão, pelo Santos, com uma vitória na partida final. Seu time para a decisão começou com Vanderlei, Victor Ferraz, Gustavo Henrique, David Braz e Zeca; Renato, Thiago Maia, Vitor Bueno (depois Paulinho) e Lucas Lima (Ronaldo Mendes); Gabriel (Joel) e Ricardo Oliveira.
O audacioso, mas às vezes temerário Fernando Diniz escalou sua equipe com Sidão, André Castro, Yuri, Bruno Silva e Velicka; Tchê Tchê, Camacho e Juninho (depois Wellington); Bruno Paulo, Mike e Ytalo. A arbitragem ficou a cargo de Raphael Claus, auxiliado por Anderson José de Moraes Coelho e Alex Ang Ribeiro.
O jogo começou na mesma toada do segundo tempo em Osasco. O Audax tinha mais a bola, arriscava chutes a gol de fora da área, enquanto o Santos esperava as oportunidades dos contra-ataques que deveriam parar nos pés dos artilheiros Gabriel Barbosa e Ricardo Oliveira. Alguém já disse que a diferença entre um time pequeno e um grande é que o pequeno tem várias chances e não marca, enquanto o grande, quando tem a sua, não costuma perdoar. Pois é…
Depois de se defender por quase todo o primeiro tempo, o Santos teve ótima oportunidade de contra-atacar aos 44 minutos. Vitor Bueno ganhou a bola na intermediária santista, passou por dois adversários, correu alguns passos e lançou rasteiro para Ricardo Oliveira, que já penetrava no campo adversário. Este recebeu e continuou correndo em linha reta para o gol. O zagueiro Bruno Silva postou-se à frente, Oliveira tocou, de esquerda, entre as suas pernas, pegou a bola do outro lado, entrou na área, sempre na corrida, e acossado por dois zagueiros e pela saída goleiro, chutou com o biquinho do pé esquerdo por entre as pernas de Sidão e, ainda correndo, saiu de campo pelo lado direito da trave e foi comemorar junto aos camarotes térreos.
Havia dez jogos Oliveira não marcava um gol, foi fazê-lo justo na final. Essas coincidências costumam favorecer o time mais afeito a conquistas. De uma coisa, porém, o Santos, talvez, nunca esteja livre: dos erros grosseiros da arbitragem. Pois aos 36 minutos do segundo tempo o camaronês Joel fez ótima jogada pela esquerda, avançou, bateu de curva e marcou o segundo gol santista, porém anulado por suposto impedimento.
Com a vitória, o Santos se tornou o time paulista com mais títulos na era profissional do futebol – 22 taças – e conquistou o seu sétimo bicampeonato paulista (os outros foram 1955/56, 1960/61, 1964/65, 1967/68, 2006/07, 2010/11). Também cumpriu a melhor campanha, com 40 pontos ganhos, contra 29 do Audax; 11 vitórias, contra oito; 34 gols marcados, contra 33, e saldo de 17 gols, contra seis.
A final do Paulista de 2016 mostrou as diferenças de um jogo que não se decide só no campo. Hoje acostumado a ganhar troféus para o seu Memorial das Conquistas, o Santos entra em qualquer decisão bem mais tranquilo e motivado do que há 65 anos, quando iniciou a jornada que o colocaria entre as equipes mais vitoriosas do planeta. Mas até alcançar essa dimensão, em que tudo, ou quase tudo, parece conspirar a favor, uma equipe emergente precisa superar a lógica inúmeras vezes; precisa, em suma, transformar a audácia em tradição.

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