57 anos da maior façanha de um time brasileiro

Por Odir Cunha, do Centro de Memória
Na noite de 11 de outubro de 1962, uma quinta-feira, diante de 70 mil pessoas que tomaram o Estádio da Luz – entre elas os mais renomados formadores de opinião do futebol internacional –, o Santos goleou o Benfica por 5 a 2 e se tornou campeão mundial pela primeira vez, em uma façanha jamais igualada por uma equipe nacional.
Outros times brasileiros foram campeões do mundo depois disso, o próprio Santos se tornou o primeiro bicampeão mundial em 1963, mas nenhum outro conseguiu o título ao golear o campeão europeu na Europa.
Na verdade, mais do que campeão, o Benfica era bicampeão europeu, título que conseguiu em maio de 1962 ao vencer o poderoso Real Madrid de Puskas e Di Stéfano por 5 a 3, em Amsterdam. E o Santos não só deu um show em Lisboa, como também já havia vencido a partida de ida, por 3 a 2, em um Maracanã com mais de 90 mil espectadores.
Assim, no auge do futebol arte, o Alvinegro da Vila obteve duas vitórias consecutivas sobre o Benfica, time base da Seleção de Portugal que seria terceira colocada na Copa de 1966.
Nesses dois triunfos marcou oito gols e sofreu quatro. Com dois gols no Rio e três em Lisboa, Pelé se tornou o maior artilheiro de uma decisão Interclubes, primazia que mantém até hoje.

Confiança lusitana durou até o fim do primeiro tempo
Depois de vencer o Real Madrid, equipe que mantinha a hegemonia no futebol europeu desde meados dos anos 50, o Benfica inspirava enorme otimismo em seus torcedores. Tanto, que o segundo jogo com o Santos ainda não havia sido realizado e barraquinhas espalhadas pela capital portuguesa já vendiam ingressos para o terceiro jogo.
Como esperar que o bicampeão europeu não pudesse derrotar uma equipe sul-americana? Mesmo porque o jogo do Maracanã tinha sido equilibrado e por pouco o Benfica não conseguira o empate. Pelé fizera dois gols, mas para o técnico chileno Fernando Riera e os jogadores do Benfica quem havia se destacado no ataque santista fora o centroavante Coutinho.
Em Lisboa, Riera não quis optar por um jogo de marcação. Seguiu a filosofia do “jogue e deixe jogar”, tão em moda naqueles tempos de futebol bonito, do qual, imaginava, o Benfica era o maior representante. Porém, a partida mostrou o contrário.
Com a ausência de Mengálvio, machucado, Lula colocou Lima no meio, fez entrar o veterano Olavo na lateral direita, mas não postou o time na defesa. Tanto, que logo aos 17 minutos, depois de arrancada de Pepe pela esquerda, Pelé deu um carrinho para alcançar o cruzamento e vencer o goleiro Costa Pereira pela primeira vez.
Nove minutos depois, o mesmo Pelé, que crescia nos desafios mais importantes, driblou três jogadores e bateu cruzado, de esquerda, para fazer 2 a 0. Assim terminou o primeiro tempo e a vantagem de dois gols, para um time que seria campeão com o empate, era quase definitiva.
Vantagem que se tornou maior logo aos três minutos da segunda etapa, quando Mauro roubou limpamente uma bola de Simões, deu a Lima, que correu com ela e entregou a Pelé, que driblou três jogadores, foi à linha de fundo e tocou para Coutinho apenas empurrar para as redes.
Aos 19 minutos Pelé jogou a bola entre as pernas de Coluna, correu entre três benfiquistas, chutou para a espalmada de Costa Pereira e ainda acelerou para pegar o rebote e fazer 4 a 0. Mas não parou por aí. Aos 31 minutos Pepe se aproveitou de uma escorregada do goleiro no campo molhado e fez o que ele mesmo define de “o gol mais fácil” de sua carreira.
Com 5 a 0 o título já estava definido e o Santos, como se diz, “tirou o pé”. Isso deu ao Benfica a oportunidade de marcar aos 41 e aos 44 minutos, com Eusébio e Santana. Presente ao estádio, o conceituado jornalista francês Gabriel Hanot, do diário L’Equipe, um dos criadores da Copa dos Campeões, disse que em toda a sua vida de jogador e dirigente nunca tinha visto um time tão bom como o Santos.
Os próprios jogadores do Benfica reconheceram a ampla superioridade santista. Não se tratou de um título mundial ganho no contra-ataque, ou após tomar um sufoco do adversário. O Santos mandou no jogo, deu um show e confirmou a impressão de muitos de que praticava o mais bonito e eficiente futebol do planeta.
Os heróis dessa conquista inesquecível foram Gylmar, Olavo, Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Lima; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. O Benfica jogou com Costa Pereira, Humberto, Raul e Cruz; Cavem e Jacinto; José Augusto, Santana, Eusébio, Coluna e Simões. O árbitro foi Pierre Schwinté, da França.
Intercontinental? Não, o melhor dos Mundiais
Foi preciso que em 27 de outubro de 2017 o Conselho da FIFA reconhecesse os vencedores da “Copa Intercontinental” como campeões mundiais para que a camada mordaz dos jornalistas esportivos brasileiros deixasse de insistir na estultice de que os títulos mundiais da década de 60 até o final do século passado não deveriam ser equiparados aos de 2000 em diante.
Para diminuir-lhes a importância, faziam questão de chamá-los “Intercontinentais”, pois na disputa direta pelo título faltavam os representantes de Ásia, África e Oceania. Ora, do ponto de vista técnico essas equipes não fizeram nenhuma falta e até hoje nenhum time que não seja da América ou da Europa foi campeão mundial.
O que é mais empolgante: a disputa, em melhor de três jogos, entre o campeão da América e o da Europa, com verdadeiros choques de mundos diante de seus apaixonados torcedores, ou esse torneio gelado, em que o público local recebe bandeirinhas para torcer para uma ou outra time?
E se uma competição deve, obrigatoriamente, incluir representantes de toda a área geográfica que ela abrange, o que dizer dos quase vinte anos de Campeonato Paulista nos quais só participaram times de São Paulo e Santos? Seriam, na verdade, apenas campeonatos intermunicipais?

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