Santistas heróis na primeira grande conquista do futebol brasileiro

Odir Cunha, do Centro de Memória
Há informações históricas que todo santista deve saber de cor e salteado. Uma delas é que entre os 39 fundadores do Santos havia dois adolescentes que dois anos depois seriam titulares da primeira Seleção Brasileira. E continuavam titulares – e heróis – da equipe que em no dia 29 de maio de 1919, portanto há 101 anos, ganhou a Copa América, a primeira conquista importante do futebol brasileiro.
Esses dois rapazes foram o ponta-direita Adolpho Millon Júnior, que tinha 16 anos quando fundou o Santos, e Arnaldo Silveira, um ano mais velho. Millon era o driblador, o habilidoso irreverente, como muitos outros que depois fariam parte da história santista. Arnaldo era mais sério, líder nato, ponta-esquerda de chute forte, cobrador de faltas, capitão do Santos e, vejam só, capitão também do Escrete Nacional que tentava seu primeiro título importante no recém construído estádio de Laranjeiras.
Na verdade, naquele momento o Brasil tinha apenas uma taça internacional, a Copa Roca, conquistada em 27 de setembro de 1914, em Buenos Aires, na vitória por 1 a 0 sobre a Argentina, com uma equipe que já contava com Millon e Arnaldo (o primeiro jogo oficial da Seleção Brasileira, em 20 de setembro de 1914, foi um amistoso contra a mesma Argentina, uma semana antes da disputa da Roca, também já com os santistas nas duas extremas do ataque).
Haroldo, o terceiro elemento
Na Copa América de 1919, à época denominada Campeonato Sul-americano, o Santos contava com mais um jogador na Seleção: o meia carioca Haroldo Pires Domingues, que veio para a Vila Belmiro em 1917, depois de ser campeão do Rio de Janeiro no ano anterior, pelo América. Haroldo seria o titular do Brasil na estreia da Copa e marcaria um gol na goleada de 6 a 0 sobre o Chile.
Uma curiosidade sobre Haroldo, aliás outra informação que não pode passar despercebida do santista apaixonado pela história do clube, é que quando ele jogava no Santos se tornou o primeiro jogador a marcar mais de um gol em uma partida da Seleção Brasileira. A façanha ocorreu em 12 de outubro de 1917, na goleada de 5 a 0 sobre o Chile, pelo Campeonato Sul-americano de 1917, no Central Parque, em Montevidéu. Haroldo era jogador do Santos.
Euforia pelo futebol e pelo fim da gripe espanhola
O Campeonato Sul-americano/ Copa América de 1919, a primeira competição continental a ser realizada no Brasil, foi disputada em clima de grande entusiasmo. Mais até do que a expectativa pelos confrontos futebolísticos, o povo celebrava o fim da gripe espanhola, que matou 35 mil brasileiros e cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo.
Em janeiro de 1919 a doença tinha provocado a morte do presidente da República eleito, Rodrigues Alves, substituído pelo vice Delfim Moreira. Durante a competição a gripe não estava de todo erradicada, ainda havia alguns surtos, mas o cuidado com as aglomerações já tinha sido abandonado e o Estádio de Laranjeiras chegou a receber 25 mil pessoas, um recorde para espetáculos no País.
A campanha histórica
O Brasil estreou de forma bombástica, com a goleada de 6 a 0 sobre o Chile, em um domingo, 11 de maio, dia de recorde de público no futebol brasileiro. Nessa partida, Luiz Menezes jogou na ponta-direita, no lugar de Adolfo Millon, mas os santistas Haroldo Domingues e Arnaldo Silveira compuseram a ala esquerda do ataque brasileiro. Haroldo fez o quinto gol brasileiro, aproveitando um centro de Luiz Menezes.
No domingo seguinte, 18 de maio, contra a Argentina, Haroldo cedeu o lugar para Heitor Domingues e Millon voltou para a ponta-direita, no lugar de Menezes. A presença do driblador santista foi essencial nesse clássico sul-americano. Criou muitas jogadas e marcou um dos gols da vitória de 3 a 1 sobre os eternos rivais do Sul.
Este foi o único gol de Millon pela Seleção Brasileira, a quem defendeu 16 vezes, mantendo-se titular por sete anos. Com a camisa do Santos jogou 111partidas, de 1912 a 192, e marcou 46 gols. O precursor de todos os grandes pontas-direitas do futebol brasileiro nasceu em Santos, em 16 de setembro de 1895, e morreu em Salvador, em 7 de maio de 1929, com apenas 33 anos.
Após a Argentina, o Brasil enfrentou o Uruguai, em jogo que poderia garantir o título. Mas o confronto, no domingo, 25 de maio, disputado e nervoso como se poderia esperar, terminou empatado em 2 a 2. Nenhum santista marcou nesse duelo, mas foi de uma potente cobrança de falta de Arnaldo Silveira que surgiu o primeiro gol da Seleção, após rebatida do goleiro.
Primeiro grande ídolo do Santos, Arnaldo fez 16 jogos e marcou um gol pela Seleção Brasileira. No Alvinegro Praiano jogou de 1912 a 1922, participando de 132 partidas e marcando 74 gols. Nasceu em 6 de agosto de 1894, em Santos, e morreu na sua cidade em 24 de junho de 1980.
Empatados na liderança, brasileiros e uruguaios voltaram ao Estádio de Laranjeiras na quinta-feira, 29 de maio, para decidir o título. O Brasil, que era escalado por uma comissão técnica da qual fazia parte Arnaldo Silveira, entrou em campo com Marcos, Píndaro e Bianco; Sérgio I, Amilcar e Fortes; Millon, Neco, Friedenreich, Heitor Domingues e Arnaldo.
Sem gols no tempo normal, a partida só foi decidida na segunda prorrogação, com um gol de Friedenreich. A euforia por esta conquista foi tão grande que, para muitos historiadores, entre eles Adriano Neiva, o De Vaney, autor do Álbum de Ouro do Santos, “foi a façanha de 1919 que fez o Brasil avançar pelo menos 15 anos em seu progresso”.
De fato. O arrebatamento provocado pelo sucesso da Seleção Brasileira foi tão grande que o Estádio de Laranjeiras, construído para atender à demanda do novo esporte por cinquenta anos, foi ampliado um ano e meio depois.
Um jornal deu na capa a foto do pé de Friedenreich, em homenagem ao autor do gol do título. Os jogadores campeões foram exaustivamente homenageados. Um dia depois da conquista o telégrafo do Santos recebia incontáveis despachos telegráficos parabenizando os heróis alvinegros.
O afamado escritor Coelho Neto foi um dos que felicitaram o clube pelo desempenho de Arnaldo, Millon e Haroldo no Sul-americano: “Parabéns pelo muito concorreram vitória vossos valentes representantes”, escreveu.
Os três heróis santistas receberam medalhas de ouro da Confederação Brasileira de Desportos, do Governo do Estado de São Paulo e do Automóvel Clube de São Paulo. Arnaldo Silveira ganhou mais uma medalha de ouro, da Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), por ser o capitão do Selecionado Nacional.

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